Os tempos andam difíceis, ou seja, fica cada vez mais difícil a gente manter as esperanças aqui dentro. Está muito bagunçado, lá fora e dentro de nós. Nervos à flor da pele, crises econômicas, sanitárias, políticas. Crises emocionais, de relacionamento, de sentimentos. De pânico, de tristeza, de ansiedade.
Mesmo assim, ainda que pareça clichê – se bem que é -, jamais podemos deixar de acreditar, lá no fundo, na mudança de tudo para melhor. Eu, por exemplo, sempre penso no que essa pandemia me trouxe de positivo. Além de me fazer refletir ainda mais sobre a importância das coisas e das pessoas em minha vida, a quarentena está me reaproximando de minha esposa e de meu filho, tanto nos espaços, quando nos sentimentos.
Não que fôssemos distantes um do outro antes, mas estávamos deixando de fazer muita coisa juntos, devido à correria do cotidiano. No começo da quarentena, as aulas passaram a ser online e eu adiantei minhas férias de meu cargo de supervisor de ensino. Minha esposa, também professora, passou a lecionar online e meu filho começou a ter aulas remotas de sua faculdade. A gente, de repente, começou a ficar juntinho.
Há tempo não fazíamos mais as refeições sentados todos os três à mesa. Há tempo não assistíamos a filmes todos os três na mesma sala. Há tempos não passávamos dias e noites uns com os outros em casa. E foi tudo tranquilo e muito agradável. Apresentei ao meu filho filmes antigos que ele jamais veria em épocas normais. E agora ele pegou gosto por filmes, porque antes só assistia a séries. Além disso, passa menos tempo jogando futebol online.
Nunca mais eu me reuni com meus irmãos, nem minha esposa com a irmã dela. Ficou bem mais nítida, para nós, a importância da família na vida da gente. Também percebemos os amigos que fazem realmente falta, os colegas de trabalho que deixam saudades, as pessoas, enfim, que fazem a diferença na vida de cada um de nós. E isso é maravilhoso, porque nos ajuda a desapegar do que não importa e a valorizar o que é merecedor da gente.
E é desse jeito que a vida ensina, em meio ao que parece caos. Porque, na verdade, tudo tem um lado bom. Nem que você precise ser espremido até a última gota, até a última lágrima. Ainda que você tenha que doer, sufocar, perder o chão, perder-se de si por um tempo. Tudo reiniciará, tudo recomeçará. Porque a esperança adormece, até se esconde, mas nunca morre.
*texto escrito em 2020
Imagem: Guillaume de Germain